ALTERIDADE
Termo cunhado por Lacan para explicar a dualidade do sujeito. Vincula-se às produções formuladas a respeito da função do Eu e à complexa estrutura aí presente, envolvendo os conceitos do outro (pequeno) e o Outro (grande). O Eu não se encontra como uma forma fechada em si, mas tem relação com um exterior que o determina. Trata-se do sujeito descentrado: um mesmo sujeito é, efetivamente, outro (Courtine & Haroche, 1988). Lacan aborda esta questão detalhadamente no texto “O estágio do espelho como formador da função do eu”, de 1949.
ANÁLISE DO DISCURSO
É uma disciplina de entremeio (Orlandi, 1996) que se estrutura no espaço que há entre a lingüística e as ciências das formações sociais. Trabalha com as relações de contradição que se estabelecem entre essas disciplinas, caracterizando-se, não pelo aproveitamento de seus conceitos, mas por repensá-los, questionando, na lingüística, a negação da historicidade inscrita na linguagem e, nas ciências das formações sociais, a noção de transparência da linguagem sobre a qual se assentam as teorias produzidas nestas áreas. A AD nos permite trabalhar em busca dos processos de produção do sentido e de suas determinações histórico-sociais. Isso implica o reconhecimento de que há uma historicidade inscrita na linguagem que não nos permite pensar na existência de um sentido literal, já posto, e nem mesmo que o sentido possa ser qualquer um, já que toda interpretação é regida por condições de produção. Essa disciplina propõe um deslocamento das noções de linguagem e sujeito que se dá a partir de um trabalho com a ideologia. Assim, passa-se a entender a linguagem enquanto produção social, considerando-se a exterioridade como constitutiva. O sujeito, por sua vez, deixa de ser centro e origem do seu discurso para ser entendido como uma construção polifônica, lugar de significação historicamente constituído.
ASSUJEITAMENTO
Movimento de interpelação dos indivíduos por uma ideologia, condição necessária para que o indivíduo torne-se sujeito do seu discurso ao, livremente, submeter-se às condições de produção impostas pela ordem superior estabelecida, embora tenha a ilusão de autonomia. Para Althusser, os indivíduos vivem na ideologia, não havendo, portanto, uma separação entre a existência da ideologia e a interpelação do sujeito por ela, o que ocorre é um movimento de dupla constituição: se o sujeito só se constitui através do assujeitamento é pelo sujeito que a ideologia torna-se possível já que, ao entendê-la como prática significante, concebe-se a ideologia como a relação entre sujeito, língua e história na produção dos sentidos (Orlandi, 1999).
AUTOR
Uma das posições assumidas pelo sujeito (ver posição-sujeito) no discurso, sendo ela a mais afetada pela exterioridade (condições sócio-históricas e ideológicas) e pelas exigências de coerência, não-contradição e responsabilidade. Ao se converter em autor, o sujeito da enunciação sofre um apagamento no discurso, dividindo-se em diversas posições-sujeito; ou seja, o autor é que assume a função social de organizar e assinar uma determinada produção escrita, dando-lhe a aparência de unicidade (efeito ideológico elementar). Foucault (1987) fala em princípio de autoria, uma vez que se trata de considerar o autor não como um indivíduo inserido num determinado contexto histórico-social (sujeito em si), mas como uma das funções enunciativas que este sujeito assume enquanto produtor de linguagem.
COERÊNCIA
Elemento temático constitutivo de um texto que se estabelece na interlocução e faz com que o texto tenha sentido (Lingüística Textual). Pode-se dizer que a coerência é, antes de mais nada, um princípio de interpretabilidade, uma possibilidade de se estabelecer uma unidade ou relação de sentido no texto. O reconhecimento de elementos de coerência em um texto depende do conhecimento prévio do leitor (conhecimento de mundo). Para a AD, este conceito, tal como é concebido na perspectiva textual, é restrito, pois dá conta apenas dos elementos textuais e não dos discursivos.
COESÃO
Elemento temático constitutivo de um texto que dá conta da estruturação da seqüência superficial do texto e é, portanto, representado por elementos formais (conectores, seqüenciadores, argumentadores, marcadores temporais, etc) (Lingüística textual). Esta forma de compreensão da coesão não interessa à AD por restringir a análise à superfície do texto e não envolver, portanto, os efeitos de sentido.
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO
São responsáveis pelo estabelecimento das relações de força no interior do discurso e mantêm com a linguagem uma relação necessária, constituindo com ela o sentido do texto. As condições de produção fazem parte da exterioridade lingüística e podem ser agrupadas em condições de produção em sentido estrito (circunstâncias de enunciação) e em sentido amplo (contexto sócio-histórico-ideológico), segundo preconiza Orlandi (1999).
CONTEXTO
Elementos externos ao texto que servem para ampliar a sua significação global. O contexto envolve a situação comunicativa em que o texto é produzido, indo além do que é dito e escrito (Lingüística Textual). Na AD, este conceito é revisto, já que para a teoria discursiva a exterioridade não está fora do discurso, mas é dele constitutiva, sendo englobado pela noção de condições de produção.lugar de significação historicamente constituído.
DADO (VER FATO)
Objeto empírico da linguagem, quantitativo, constatável, que permite ao analista colocar a língua como foco central da análise. Trabalhar com o dado significa revelar uma preocupação com o produto e não com os processos de produção de um discurso. Para a AD, não existem dados enquanto tal, uma vez que eles precisam do fato, do acontecimento, para significar.
Dialogismo se da à partir da noção de recepção/compreensão de uma enunciação o qual constitue um território comum entre o locutor e o locutário. Pode se dizer que os interlocutores ao colocarem a linguagem em relação frente um a outro produzem um movimento dialógico.
DISCURSO
Objeto teórico da AD (objeto histórico-ideológico), que se produz socialmente através de sua materialidade específica (a língua); prática social cuja regularidade só pode ser apreendida a partir da análise dos processos de sua produção, não dos seus produtos. O discurso é dispersão de textos e a possibilidade de entender o discurso como prática deriva da própria concepção de linguagem marcada pelo conceito de social e histórico com a qual a AD trabalha. É importante ressaltar que essa noção de discurso nada tem a ver com a noção de parole/fala referida por Saussure.
EFEITOS DE SENTIDO
Diferentes sentidos possíveis que um mesmo enunciado pode assumir de acordo com a formação discursiva na qual é (re)produzido. Esses sentidos são todos igualmente evidentes por um efeito ideológico que provoca no gesto de interpretação a ilusão de que um enunciado quer dizer o que realmente diz (sentido literal). É importante registrar que Pêcheux (1969) define discurso como efeito de sentido entre interlocutores.
ENUNCIAÇÃO
Processo de reformulação de um enunciado através do qual ele é posto em funcionamento, surgindo como uma de suas possíveis formas de atualização. Os processos de enunciação consistem em uma série de determinações sucessivas, pelas quais o enunciado se constitui pouco a pouco e que têm como característica colocar o "dito" e, em conseqüência, rejeitar o não- dito.
Enunciado
Unidade constitutiva do discurso que nunca se repete da mesma maneira (ver paráfrase e polissemia), já que a sua função enunciativa muda de acordo com as condições de produção. É a partir dos enunciados, portanto, que podemos identificar as diferentes posições assumidas pelo sujeito no discurso (ver posição-sujeito).
EQUÍVOCO
Marca de resistência que afeta a regularidade do sistema da língua, este conceito surge da forma como a língua é concebida na AD (enquanto materialidade do discurso, sistema não-homogêneo e aberto). Algumas de suas manifestações são as falhas, lapsos, deslizamentos, mal-entendidos, ambigüidades, que fazem parte da língua e representam uma marca de resistência e uma diferenciação em relação ao sistema. Dizemos, com Pêcheux (1988), que todo o enunciado pode sempre tornar-se outro, uma vez que seu sentido pode ser muitos, mas não qualquer um.
FATO
Dado provido de sentido que se produz como um objeto da ordem do discurso e nos conduz à memória discursiva. A concepção de fato traz para os estudos da linguagem a possibilidade de trabalhar com os processos de produção dos discursos, já que nos remete, não à evidência dos dados empíricos, e sim aos acontecimentos histórico-sociais em torno dos quais se funda um discurso. Todo fato, para se constituir como tal, precisa ter algo de empírico em si.
FORMA-SUJEITO
É a forma pela qual o sujeito do discurso se identifica com a formação discursiva que o constitui. Esta identificação baseia-se no fato de que os elementos do interdiscurso, ao serem retomados pelo sujeito do discurso, acabam por determiná-lo. Também chamado de sujeito do saber, sujeito universal ou sujeito histórico de uma determinada formação discursiva, a forma-sujeito é responsável pela ilusão de unidade do sujeito.
FORMAÇÃO DISCURSIVA (FD)
Manifestação, no discurso, de uma determinada formação ideológica em uma situação de enunciação específica. A FD é a matriz de sentidos que regula o que o sujeito pode e deve dizer e, também, o que não pode e não deve ser dito (Courtine, 1994), funcionando como lugar de articulação entre língua e discurso. Uma FD é definida a partir de seu interdiscurso e, entre formações discursivas distintas, podem ser estabelecidas tanto relações de conflito quanto de aliança. Esta noção de FD deriva do conceito foulcaulteano (1987) que diz que sempre que se puder definir, entre um certo número de enunciados, uma regularidade, se estará diante de uma formação discursiva. Na AD este conceito é reformulado e aparece associado à noção de formação imaginária.
FORMAÇÃO IDEOLÓGICA (FI)
Conjunto complexo de atitudes e de representações, não individuais nem universais, que se relacionam às posições de classes em conflito umas com as outras. A FI é um elemento suscetível de intervir como uma força em confronto com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social. Pêcheux (1975) afirma que as palavras, expressões, proposições, mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, sentidos esses que são determinados, então, em referência às formações ideológicas nas quais se inscrevem estas posições (ver formação discursiva).
FORMAÇÃO IMAGINÁRIA
A partir do conceito lacaniano de imaginário, Pêcheux (1975) define que as formações imaginárias sempre resultam de processos discursivos anteriores. As formações imaginárias se manifestam, no processo discursivo, através da antecipação, das relações de força e de sentido. Na antecipação, o emissor projeta uma representação imaginária do receptor e, a partir dela, estabelece suas estratégias discursivas. O lugar de onde fala o sujeito determina as relações de força no discurso, enquanto as relações de sentido pressupõem que não há discurso que não se relacione com outros. O que ocorre é um jogo de imagens: dos sujeitos entre si, dos sujeitos com os lugares que ocupam na formação social e dos discursos já-ditos com os possíveis e imaginados. As formações imaginárias, enquanto mecanismos de funcionamento discursivo, não dizem respeito a sujeitos físicos ou lugares empíricos, mas às imagens resultantes de suas projeções.
FORMAÇÃO SOCIAL
Espaço a partir do qual se pode prever os efeitos de sentido a serem produzidos. Para a AD as posições que os sujeitos ocupam em uma dada formação social condicionam as condições de produção discursivas, definindo o lugar por eles ocupado no discurso. Ao funcionamento das formações sociais está articulado o funcionamento da ideologia, relacionado à luta de classes e às suas motivações econômicas.
HETEROGENEIDADE DISCURSIVA
Termo utilizado pela AD para destacar que todo discurso é atravessado pelo discurso do outro ou por outros discursos. Estes diferentes discursos mantêm entre si relações de contradição, de dominação, de confronto, de aliança e/ou de complementação. Authier (1990) distingue duas ordens de heterogeneidade: (1) a heterogeneidade constitutiva do discurso (que esgota a possibilidade de captar lingüisticamente a presença do outro no um e (2) a heterogeneidade mostrada no discurso (que indica a presença do outro no discurso do locutor). A heterogeneidade mostrada, por sua vez, ainda segundo a autora, divide-se em duas modalidades: a marcada, da ordem da enunciação e visível na materialidade lingüística; e a não-marcada, da ordem do discurso e não provida de visibilidade.
HISTÓRIA
Produção de sentidos que se define por sua relação com a linguagem. A história organiza-se a partir das relações com o poder e está ligada não à cronologia, mas às práticas sociais. Para a AD, todo o fato ou acontecimento histórico significa, precisa ser interpretado, e é pelo discurso que a história deixa de ser apenas evolução.
HISTORICIDADE
Modo como a história se inscreve no discurso, sendo a historicidade entendida como a relação constitutiva entre linguagem e história. Para o analista do discurso, não interessa o rastreamento de dados históricos em um texto, mas a compreensão de como os sentidos são produzidos. A esse trabalho dos sentidos no texto e à inscrição da história na linguagem é que se dá o nome de historicidade.
IDEOLOGIA
Elemento determinante do sentido que está presente no interior do discurso e que, ao mesmo tempo, se reflete na exterioridade, a ideologia não é algo exterior ao discurso, mas sim constitutiva da prática discursiva. Entendida como efeito da relação entre sujeito e linguagem, a ideologia não é consciente, mas está presente em toda manifestação do sujeito, permitindo sua identificação com a formação discursiva que o domina. Tanto a crença do sujeito de que possui o domínio de seu discurso, quanto a ilusão de que o sentido já existe como tal, são efeitos ideológicos.
INTERDISCURSIVIDADE
Relação de um discurso com outros discursos; vozes discursivas outras que se manifestam em um dado discurso e interferem no seu sentido. Estes discursos alheios penetram no discurso em estudo, interferindo assim no seu sentido. Esta noção está ligada, portanto, à noção de heterogeneidade discursiva, de formação discursiva e de pré-construído.
INTERDISCURSO
Compreende o conjunto das formações discursivas e se inscreve no nível da constituição do discurso, na medida em que trabalha com a re-significação do sujeito sobre o que já foi dito, o repetível, determinando os deslocamentos promovidos pelo sujeito nas fronteiras de uma formação discursiva. O interdiscurso determina materialmente o efeito de encadeamento e articulação de tal modo que aparece como o puro "já-dito".
INTERPRETAÇÃO
Gesto de leitura de um fato, presente em toda manifestação da linguagem, através do qual a significação é produzida. A interpretação é uma injunção; diante de qualquer objeto simbólico somos obrigados a interpretar, temos a necessidade de atribuir sentido. Por um efeito ideológico, a interpretação se apaga no momento mesmo de sua realização, dando-nos a ilusão de que é transparente, de que o sentido já existia como tal. Essa transparência é uma ilusão, na medida em que o fato de o sentido ser um e não outro é definido pelas condições de produção em que se dá o movimento interpretativo. Tanto o cerne do gesto de interpretação, quanto sua eficácia ideológica se devem à relação dos fatos e do sujeito com a significação, uma vez que os fatos reclamam sentido e o sujeito tem necessidade de atribuí-lo. A interpretação não é mero gesto de decodificação, de apreensão de sentidos; interpretar é expor-se à opacidade do texto, é explicitar o modo como um objeto simbólico produz sentidos. (Orlandi, 1996) A interpretação sempre pode ser outra, mas o movimento interpretativo não é um movimento caótico, não regido. As condições de produção e a própria possibilidade de abertura impõem determinações, limites a esse movimento, o que significa dizer que a interpretação pode ser múltipla, mas não qualquer uma.
INTRADISCURSO
Simulacro material do interdiscurso, na medida em que fornece-impõe a "realidade" ao sujeito, matéria-prima na qual o indivíduo se constitui como sujeito falante numa determinada formação discursiva que o assujeita (ver assujeitamento). Ao pensarmos o discurso como uma teia a ser tecida podemos dizer que o intradiscurso é o "fio do discurso" de um sujeito; a rigor, é um efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma vez que incorpora, no eixo sintagmático (linear), a relação de possibilidade de substituição entre elementos (palavras, expressões, proposições), como se esses elementos, assim encadeados entre si, tivessem um sentido evidente, literal. O que está em evidência, no intradiscurso, é a formulação de um discurso a partir da realidade presente.
LEITOR
Uma das posições que o sujeito assume no discurso. Todo sujeito move-se em um discurso guiado pela relação que construiu com os textos lidos em sua história de leitor, ou seja, constituindo-se dentro de uma memória social de leitura. Assim, ao ser colocado diante de um discurso, o sujeito leitor está sendo impelido a interpretá-lo (ver interpretação), e esse movimento de leitura estará necessariamente vinculado às condições sócio-histórico-ideológicas que o envolvem e que determinam tanto o leitor e sua formação, quanto a leitura a ser feita por este sujeito.
LEITURA
Caminho material para se chegar à interpretação; prática discursiva, não-subjetiva, em que um sujeito-leitor, inscrito numa determinada formação discursiva, ao entrar em contato com um texto escrito, (re)constrói os sentidos dos enunciados e, assim sendo, se engaja automaticamente na dinâmica do processo social de produção de sentidos (ver memória discursiva). É essa circulação de sentidos que, por um lado, assegura o já-dito e, por outro, abre espaço para a irreverência, a ruptura, uma vez que, pela sua natureza e especificidade, a leitura tende a ser múltipla, plural, ambígua por si própria.
LÍNGUA
Condição de possibilidade de um discurso, materialidade ao mesmo tempo lingüística e histórica, produto social que resulta de um trabalho com a linguagem no qual coincidem o histórico e o social. No âmbito discursivo, a língua é reconhecida por sua opacidade e pela forma como nela intervém a sistematicidade e o imaginário (ver formação imaginária), aparecendo o equívoco como elemento constitutivo da mesma.
LINGUAGEM
Ação transformadora, trabalho (ainda que simbólico), produção social, interação, na medida em que se define na relação necessária entre o indivíduo e a exterioridade. A linguagem é um dos elementos constitutivos do processo discursivo o qual se dá sob determinadas condições histórico-sociais e ideológicas.
MEMÓRIA DISCURSIVA
Possibilidades de dizeres que se atualizam no momento da enunciação, como efeito de um esquecimento correspondente a um processo de deslocamento da memória como virtualidade de significações. A memória discursiva faz parte de um processo histórico resultante de uma disputa de interpretações para os acontecimentos presentes ou já ocorridos (Mariani, 1996). Courtine & Haroche (1994) afirmam que a linguagem é o tecido da memória. Há uma memória inerente à linguagem e os processos discursivos são responsáveis por fazer emergir o que, em uma memória coletiva, é característico de um determinado processo histórico. Orlandi (1993) diz que o sujeito toma como suas as palavras de uma voz anônima que se produz no interdiscurso, apropriando-se da memória que se manifestará de diferentes formas em discursos distintos.
PARÁFRASE
Processo de efeitos de sentido que se produz no interdiscurso, retorno ao já-dito na produção de um discurso que, pela legitimação deste dizer, possibilita sua previsibilidade e a manutenção no dizer de algo que é do espaço da memória (ver memória discursiva).A paráfrase é responsável pela produtividade na língua, pois, ao proferir um discurso, o sujeito recupera um dizer que já está estabelecido e o reformula, abrindo espaço para o novo. Essa tensão entre a retomada do mesmo e a possibilidade do diferente desfaz a dissociação entre paráfrase e polissemia.
Bakhtin usa o conceito de polifonia para definir a forma de um tipo de romance que se contrapõe ao romance monológico. Os textos que serviram de base às suas reflexões acerca desta temática são os de Fjodor Dostojevski.
POLISSEMIA
Deslocamento, ruptura, emergência do diferente e da multiplicidade de sentidos no discurso. Processo de linguagem que garante a criatividade na língua pela intervenção do diferente no processo de produção da linguagem, permitindo o deslocamento das regras e fazendo resultar em movimentos que afetam o sujeito e os sentidos na sua relação com a história e a língua (Orlandi, 1999). Essa possibilidade do novo criada pela polissemia é a própria razão de existência da linguagem, já que a necessidade do dizer é fruto da multiplicidade dos sentidos. São os processos polissêmicos que garantem que um mesmo objeto simbólico passe por diferentes processos de re-significação.
POSIÇÃO-SUJEITO
Resultado da relação que se estabelece entre o sujeito do discurso e a forma-sujeito de uma dada formação discursiva. Uma posição-sujeito não é uma realidade física, mas um objeto imaginário, representando no processo discursivo os lugares ocupados pelos sujeitos na estrutura de uma formação social. Deste modo, não há um sujeito único mas diversas posições-sujeito, as quais estão relacionadas com determinadas formações discursivas e ideológicas.
PRÉ-CONSTRUÍDO
Enunciado simples proveniente de discursos outros, anteriores, "como se esse elemento já se encontrasse sempre-aí por efeito da interpelação ideológica"(Pêcheux, 1975). Essa formulação de um já-dito assertado em outro lugar permite a incorporação de pré-construídos à FD, concebida como um domínio de saber fechado, fazendo-a relacionar-se com seu exterior.
REAL DA LÍNGUA
Impossibilidade de se dizer tudo na língua, série de pontos do impossível, lugar do inconsciente de onde o sujeito fala o que não pode ser dito. O termo real da língua é designado em francês como "lalangue", o que corresponde, em português, a "alíngua". Essa distinção terminológica expressa de um modo singular, já na grafia, a diferença existente entre a noção de língua, que é da ordem do todo, do possível, e a noção do real da língua (alíngua), que é da ordem do não-todo, do impossível, inscrito igualmente na língua. Esse termo veio da psicanálise, trazido por Lacan, e foi desenvolvido na lingüistica, sobretudo por Milner (1987), numa tentativa de nomear aquilo que escapa à univocidade inerente a qualquer nomeação, apontando para o registro que, em toda a língua, a consagra ao equívoco. Na perspectiva teórica do discurso, torna-se fundamental uma concepção de língua afetada pelo Real, pois isso vai permitir operar com um conceito de língua que reconheça o equívoco como fato estrutural constitutivo e implicado pela ordem do simbólico. (Pêcheux, 1988)
SENTIDO
O sentido de uma palavra, expressão, proposição não existe em si mesmo, só pode ser constituído em referência às condições de produção de um determinado enunciado, uma vez que muda de acordo com a formação ideológica de quem o (re)produz, bem como de quem o interpreta. O sentido nunca é dado, ele não existe como produto acabado, resultado de uma possível transparência da língua, mas está sempre em curso, é movente e se produz dentro de uma determinação histórico-social, daí a necessidade de se falar em efeitos de sentido.
SUBJETIVIDADE
Enquanto na Teoria da Enunciação (TE) o Eu é considerado sujeito e centro de toda enunciação, na AD a subjetividade se desloca do eu e passa a ser vista como inerente a toda linguagem, constituindo-se, portanto, mesmo quando este eu não é enunciado. Para a teoria discursiva, o sujeito não é a fonte do sentido, nem o senhor da língua. Despossuído de seu papel central, o sujeito é integrado ao funcionamento do discurso, determinando e sendo determinado tanto pela língua quanto pela história. (Orlandi & Guimarães, 1988)
SUJEITO
Resultado da relação com a linguagem e a história, o sujeito do discurso não é totalmente livre, nem totalmente determinado por mecanismos exteriores. O sujeito é constituído a partir relação com o outro, nunca sendo fonte única do sentido, tampouco elemento onde se origina o discurso. Como diz Leandro Ferreira (2000) ele estabelece uma relação ativa no interior de uma dada FD; assim como é determinado ele também a afeta e determina em sua prática discursiva. Assim, a incompletude é uma propriedade do sujeito e a afirmação de sua identidade resultará da constante necessidade de completude.
TEXTO
Unidade de análise do discurso que, enquanto tal, é uma superfície lingüística fechada em si mesma (tem começo, meio e fim). É um objeto empírico, inacabado, complexo de significação; lugar do jogo de sentidos, do trabalho da linguagem, do funcionamento da discursividade. O relevante, no âmbito discursivo, onde o texto é tomado como discurso (enquanto estado determinado de um processo discursivo), é ver como ele organiza a relação da língua com a história na produção de sentidos e do sujeito em sua relação com o contexto histórico-social. Para a AD o texto é dispersão de sujeitos por comportar diversas posições-sujeito que o atravessam e que correspondem a diferentes formações discursivas. A completude do dizer é um efeito da relação do sujeito com o texto, deste com o discurso e da inserção do discurso em uma formação discursiva determinada. Esse movimento é que produz a impressão de unidade e transparência do dizer.
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